Barranco de Cegos
(capítulos I, VII, XXI)
O Governo procurava um travão para o descalabro,
mas estava também a contas com credores que lhe impunham liquidações já
vencidas. A falência do Baring, em Inglaterra, prestamista do Estado, fora um
dos sinais da crise. Dera-se a inflação, aumentara a circulação fiduciária.
Subiam os preços. E a instabilidade, o receio do pior pegara-se aos espíritos
quando, depois da implantação da república no Brasil, surgira o ultimato
inglês, em Janeiro de 90, por causa de África.
Um ano depois, a revolta republicana no Porto
apressara o pavor, num sinal de que tudo se poderia perder às mãos da canalha
carbonária. A partir daí o Governo reparara no exército.
E dava-se ao luxo, por motivos eleitorais, de
cobrir os destemperos dos banqueiros nortenhos, metidos até aos cabelos nas
negociatas dos caminhos-de-ferro, nas salamancadas.
Tentara fazê-lo com o empréstimo dos Tabacos, mas a
manobra redundara num fracasso para o Estado, ficando ainda em grande parte,
setenta por cento, nas mãos de franceses e alemães.
O Banco Lusitano já rachara pelo meio. E nos
descalabros das finanças entrelaçavam-se as concessões dos caminhos-de-ferro de
Lourenço Marques, o escândalo da Companhia do Niassa e as consequências do novo
tratado com a Inglaterra. Caminhava-se para a bancarrota.
Sacudia-se a Europa em mais outra crise. De
superprodução. Enquanto a nossa era financeira, de especulação pura.
Os câmbios
baixos do Brasil forçavam a emigrar os que viviam desses rendimentos em Lisboa
e no Porto; e eram muitos. Fechavam-se fábricas e ficavam mais operários sem
trabalho. Entre o protesto de letras e o desespero de muitos créditos
volatilizados, encerravam-se lojas e muitos comerciantes biscavam no suicídio a
saída válida para a desonra. Usava-se a corda, o tiro no céu-da-boca e o rodado
do comboio para resolver alguns problemas.
(...)
Metade das
receitas do Estado iam para os encargos da dívida pública. O Crédit Lyonnais
não deixava de insistir no reembolso da soma bárbara que emprestara à Fazenda
Nacional e os liquidatários do Baring batiam a mesma solfa; a maior parte do
empréstimo dos Tabacos esvaíra-se em juros, só juros de dívida externa nos
sinapismos para aguentar certas companhias e na compra de prata para amoedar.
No Banco de Portugal tinham-lhe dito, em confidência, sob palavras de honra,
que o deficit da balança comercial iria descer, mas só por falta de cheta; e
que em Lisboa, só em Lisboa, haviam falido e encerrado as portas mais de
quatrocentas lojas.
(...)
Diziam que a agricultura vivia à sombra das árvores
da preguiça, do sobreiro e da oliveira, mas esqueciam-se de sublinhar que o
dividendo da sociedade anónima era outra árvore de mandria, maior e mais falsa,
porque as outras mudavam de dono, mas não secavam facilmente, e essa morria sem
se saber de quê.
Morria
quando convinha aos que a haviam plantado, sem quais quês. Bastava vir a
companhia estrangeira que oferecesse boa posição aos accionistas principais. E
adeus patriotismo.
(...)
A propósito das ambições anglo-saxónicas sobre a
África Portuguesa, Diogo Relvas aludiu a essa Europa de egoísmo e rapina, onde
já se misturavam ideias de repúblicas socialistas. Falou das greves por toda a
parte. Entre nós deveria fazer-se a mão pesada sobre os agitadores.
Alves Redol, 1961
(Na comemoração do centenário
do seu nascimento)
__________________________________________
SEARA NOVA N.º 1722 | Inverno | 2012
Um comentário:
Não é por acaso que Alves Redol tem andado muito esquecido, arredado dos curricula.
Postar um comentário