segunda-feira, 31 de outubro de 2011

As intenções do ministro da Educação e Ciência…

No próximo ano lectivo chega ao ensino secundário o primeiro grupo de alunos abrangido pela escolaridade obrigatória até aos 18 anos. Num contexto de contenção de custos vai ser possível cumprir este objectivo?

Está tudo em aberto. Estamos a estudar como será possível prolongar a escolaridade obrigatória com o que isso significa em número de turmas, de alunos, de professores. Não queremos que este prolongamento seja, pura e simplesmente, a continuação do ensino tal como existe hoje. Precisa de ser repensado em termos de oferta profissional. Estamos a ver quais são as possibilidades de diversificar a oferta também para que alguns alunos possam iniciar uma vida profissional ao mesmo tempo que continuam na escola.

Os cortes propostos para a Educação são mais do que o triplo do previsto no acordo com a troika. Porque é que foram mais longe?

No memorando há um tecto que é estabelecido a partir da redução do défice e da dívida. Além deste tecto estão identificadas algumas áreas em que devem ser tomadas medidas de racionalização. Mas não está, de forma alguma, explícito ou implícito que, tomadas essas medidas, tudo está feito. Estas medidas são um subconjunto daquilo que é necessário fazer. São o que foi possível identificar na altura, pelo Governo, como sendo obrigatório fazer para atingir o objectivo geral.

A Educação não deveria ser considerada um sector estratégico e de alguma forma ser poupada a esse tipo de cortes?

Os sacrifícios têm de ser repartidos por todos. É verdade que a educação é um sector estratégico, mas também a saúde ou a segurança pública. Quase metade (46,7 por cento) do pessoal da administração central está no Ministério da Educação. É um valor extraordinário. Isso significa que as reduções têm de ser, em grande parte, em pessoal e que têm de se reflectir na educação. Não há nenhum menosprezo pela educação.

Qual é a ordem de grandeza da redução da dotação do ministério em 2012? É de 400, 600 ou mais de 800 milhões de euros?

Depende do quadro que se leia. Estamos a falar de 1500 milhões de euros. Temos três vectores. 644 milhões que derivam dos cortes dos subsídios de férias e de Natal. Depois temos 268 milhões que são aquilo que se pode chamar uma redução prudencial das receitas consignadas. Houve em 2011 uma sobrestimação da capacidade de obter fundos comunitários que nós agora não fazemos. E depois há 600 milhões de medidas de racionalização, das quais 150 milhões para o superior e 450 para o básico e secundário.

Uma das medidas previstas é a reorganização e racionalização dos currículos. Quais são os princípios que vão presidir a essa reorganização?

A lógica geral é independente desta lógica monetária. Defendo, independentemente de todos estes cortes, que é necessário reduzir o número de disciplinas no ensino básico, que é necessário concentrar nas disciplinas essenciais, que é necessário eliminar a dispersão na oferta curricular, que é necessário reforçar o Português e a Matemática, que é necessário dar mais atenção à História, à Geografia, às Ciências, ao Inglês. O princípio da reorganização é este: como é que vamos conseguir que os jovens saibam mais nestas questões centrais?

Mas esta reorganização também é apresentada como uma medida de poupança.

Também é uma medida de poupança. Por exemplo, a eliminação de Área de Projecto no 2.º e 3.º ciclo permite uma poupança de 50 milhões.

Em professores?

Em deslocamento de professores para outras áreas. São números brutais quando multiplicados por cinco mil escolas, 140 mil professores. É altura de se falar verdade e começar a ver que tudo isto tem um efeito brutal sobre o contribuinte. Num momento que estamos a tentar racionalizar tantas coisas, temos também de pensar no ensino o que é essencial. Mas claro que não estão em causa os lugares dos professores dos quadros. Não estamos a pôr nada disso em causa. Mas temos de tomar uma série de medidas para que apenas sejam contratados, para além dos professores dos quadros, aqueles que sejam estritamente necessários [serão cerca de 28 mil os professores que não estão nos quadros].

Está a dizer que temos professores a mais?

É preciso dizer isto com clareza: não estamos em época de contratar mais professores do que o estritamente necessário. Isto significa que vamos ter urna grande contenção na contratação de professores.

O número de disciplinas vai ser reduzido?

Existem duas medidas principais que estão em estudo neste momento. Uma diz respeito à disciplina de Tecnologias da Informação e Comunicação no 9.º ano de escolaridade. Nesta idade, a maioria dos jovens já domina os computadores perfeitamente e é questionável que seja necessário ter uma disciplina de TIC no 9.º ano.

A outra tem a ver com o chamado par pedagógico em Educação Visual e Tecnológica (EVT). Percebo que seja bom ter dois professores na sala de aula, mas não estamos em época de o fazer. Estamos em época de pensar se não se deverá separar curricularmente a Educação Visual e a Educação Tecnológica e os professores alternarem a docência.

O actual ministro Paulo Portas foi um dos que mais se insurgiram contra o fim do par pedagógico em EVT quando isso foi proposto pela sua antecessora.

Não me compete estar a defender ninguém, mas nós não estamos a pensar nos termos anteriores. Porque nos termos anteriores havia um currículo, um programa, que incluía o par pedagógico. E havendo um programa que o incluía, não fazia sentido acabar com ele. Estamos a pensar é numa reformulação curricular que permita ter as duas disciplinas em separado.

Na sua opinião, qual é então o número de professores estritamente necessário?

É um bocado menos do que temos hoje. Não consigo quantificar.

Apesar de todo o esforço que fizemos para racionalizar o recrutamento de professores, temos no sistema 1858 professores com horários zero. Era o número no final de Setembro. Isto é preocupante. Significa que há alguma insuficiência do sistema e não estamos em condições para poder ter estes 1858 professores sem horário.

Voltando ao corte dos 600 milhões de euros na despesa: falou de 50 milhões na Área de Projecto. Como é que chegamos aos 450 milhões no ensino básico e secundário?

Há uma série de medidas já identificadas de cerca de 100 milhões. Há uma série de medidas estudadas de outros 100 milhões. Há cerca de 150 milhões de fundos comunitários que estamos a tentar captar para o ensino profissional, fazendo a substituição de OE por estes fundos. E há 100 milhões de medidas que estamos a identificar.

Qual a poupança com a supressão de Estudo Acompanhado?

No 3.º ciclo é de cerca de 17 milhões. No 2.º ciclo, cerca de 15 milhões.

Mas substituímos estas áreas [Área de Projecto e Estudo Acompanhado] pelo reforço de Português e Matemática, o que representa um acréscimo de despesa de 40 milhões. Foi obtida alguma poupança, mas sobretudo reforçaram-se as disciplinas fundamentais. O Estudo Acompanhado era dado por dois professores no 2.º ciclo. Uma turma de Matemática tem um professor. Uma hora de Estudo Acompanhado custava o dobro de uma hora de Matemática. Se utilizarmos de forma mais racional os professores do quadro, estamos a proteger o seu emprego e a evitar contratações suplementares.

Extracto da entrevista de Clara Viana, João d’Espiney e Miguel Gaspar ao Ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato

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PÚBLICO 31 OUTUBRO 2011

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