“As políticas do atual
governo vieram reforçar uma visão tradicionalista da escola em Portugal”
Assinala-se agora o 40.º aniversário do 25
de Abril. Como avalia estas quatro décadas da Escola em democracia?
Destaco cinco aspetos,
três no Ensino Básico, um no Superior e outro na Ciência. Em relação ao Básico,
conseguimos criar uma escola onde estão todas as crianças e jovens, mas não
conseguimos ainda uma escola onde todos aprendem. Ou seja, ganhámos a batalha
da presença, mas falta ganhar a da aprendizagem. É um dos grandes desafios que
temos pela frente. Por isso, quando me perguntam para que serve um professor,
respondo: para ensinar os alunos que não querem aprender. Porque temos ainda
muitos alunos para os quais a escola não faz sentido. É preciso que a escola
tenha um sentido pessoal e social para todos os alunos, pois só assim
conseguiremos construir a motivação, o esforço e o trabalho da aprendizagem.
De
que forma?
Com dois ‘movimentos’
muito importantes: uma Escola centrada na aprendizagem e o reforço do espaço
público da educação. Primeiro, é preciso compreender as novas gerações, que
pensam, sentem, comunicam e aprendem de maneira muito diferente de nós. É
preciso compreender estas diferenças e construir pedagogias coerentes e
adaptadas aos tempos atuais. Uma pedagogia tradicional, meramente transmissiva,
em que a pedagogia se faz num único sentido – do professor para o aluno – é um
anacronismo. É preciso construir a aprendizagem com os alunos, construir
pedagogias da relação, da participação, da comunicação, da partilha. Não
podemos deixar-nos levar pela ideia de que a pedagogia do nosso tempo é que era
exigente.
E o segundo “movimento”?
É a assunção, por parte da
sociedade, que a Educação não está apenas na escola; deve ser também da
responsabilidade dos pais, das famílias, das instituições culturais, das
autarquias, dos centros de saúde, de desporto, etc. É o que tenho designado por
Espaço Público da Educação. É a metáfora da ‘cidade educadora’: as cidades têm
hoje uma grande diversidade de instituições e deve haver uma maior partilha das
responsabilidades educativas. Não podemos continuar com uma Escola
‘transbordante’, à qual pedimos que faça tudo e mais alga coisa.
Qual deve ser, do seu ponto de vista, o
papel do professor nessa ‘reconfiguração’?
As políticas do atual governo vieram reforçar uma
visão tradicionalista da escola em Portugal. Claro que os alunos têm de
aprender Português e Matemática! A questão é como.
É preciso liberdade
pedagógica. É preciso que cada um construa a sua maneira própria de ser
professor. É preciso acabar com o dirigismo do Ministério da Educação, que
atingiu níveis impensáveis com este governo, o mais doutrinário do ponto de
vista pedagógico desde o 25 de Abril. O ministro Nuno Crato é que sabe quais
são os métodos bons; se se deve usar calculadora no ensino da Matemática; a
internet e as novas tecnologias na escola...
É preciso, então, mais autonomia?
Sim. Em suma, os três
principais desafios da Educação Básica são: conseguir que todos aprendam na
escola; desenvolver uma pedagogia cooperativa e participativa, que reforça o
papel e a autoridade do professor; e estabelecer um novo 'contrato educativo':
o do século XX era "A Educação faz-se dentro da escola", o do século
XXI terá de ser "A Educação faz-se em todos os lugares".
E em relação ao Ensino Superior e à
Ciência?
Fizemos um enorme esforço
de expansão do Ensino Superior, mas ainda estamos muito longe da média dos
países europeus. É preciso, por um lado, continuar essa expansão. Por outro,
desenvolver o conceito de ‘UniverCidade. lsto é: que as universidades se liguem
cada vez mais à vida pública, à economia, às autarquias. Muitas felizmente
estão a fazê-lo, mas é preciso ir mais longe. O mesmo em relação à Ciência. Em
vez de um empreendedorismo estreito, é necessário trazer o conhecimento,
científico para a sociedade; que o caminho percorrido na Ciência sirva para
fertilizar a Economia. Mas são precisos dois para dançar o tango. As empresas,
as autarquias, etc. têm que ‘dançar’ com a Universidade. Desta relação depende
o futuro de Portugal.
Extracto de entrevista a António Nóvoa
(JL Ano XXXIV | N.º 1137 | 30
ABRIL 2014)